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O SIGNO DAS TETAS - THE ROAD OF MILK

MELHOR FILME - MOSTRA DO FILME LIVRE 2016

SELEÇÃO OFICIAL - MOSTRA TIRADENTES - 2015

SELEÇÃO OFICIAL - INDIE BRASIL 2015

O SIGNO DAS TETAS: UM SOCO POÉTICO EM NOSSO ESTÔMAGO

O segundo longa de Frederico Machado, O Signo das Tetas, se constrói a partir de uma visão onírica da histórica desestruturação familiar e social do nordeste brasileiro. Assistir a esse filme é como descobrir uma pérola em uma ostra. O espectador vai assistindo a fragmentos aparentemente caóticos que aos poucos vão revelando toda a sua potência. Cabe ao espectador o saboroso esforço de juntar as peças que Machado nos lança plano a plano.

Sem dúvida O Signo das Tetas é uma obra seminal no atual cinema brasileiro, caótica, tal como a realidade que retrata e fragmentada tal como sempre foi a vida das famílias humildes do nordeste brasileiro. Um road movie fascinante, desconcertante, provocativo e profundamente  contemporâneo. O Signo das Tetas consegue criar um diálogo intenso tanto com a história do cinema brasileiro quanto com a trajetória do cinema contemporâneo, de forma brilhante, sem subserviências narrativas, nos revelando uma obra marcadamente autoral e esteticamente original.

Há algo em O Signo das Tetas que nos soa como irremediavelmente verdadeiro. E essa verdade nos grita devido ao mergulho essencialmente humanizado do realizador nas entranhas arcaicas de nossa complexa constituição cultural. Chama a atenção o tratamento dado no filme à questão popular, historicamente controversa em nosso cinema. Ficamos tentados a compara-lo com tantos outros, mais precisamente em relação à representação do popular a partir do Cinema Novo brasileiro. Não existe em O Signo das Tetas o artificialismo e o pedantismo no tratamento desse universo. Se pensarmos em produções mais recentes seu destaque está em não tratar do popular como algo exteriorizado, onde o realizador como mero fotógrafo escolhe um determinado recorte, quase que como um frame, um instantâneo da realidade e se apraz assim com esse feito.

O avanço estético que vejo claramente em O Signo das Tetas é o de preservar o afã de compreensão do mundo que nos cerca, função básica de qualquer processo artístico, mas com a capacidade de pensá-lo sem julgá-lo, sem a preocupação redentora de outrora. Existe sim uma linhagem estabelecida, mas sem subserviência, atualíssima, atenta  e alinhada ao cinema autoral contemporâneo desse novo século.

Machado consegue imiscuir em sua obra elementos históricos, sociais, políticos, religiosos, culturais e existenciais dentro de uma estrutura de montagem fantasmagórica, cíclica e perturbadamente poética, que culmina numa catarse existencial de seu protagonista. Em pouco mais de uma hora de filme nos é exposto uma série de elementos simbólicos que vão realizando uma poderosa síntese crítica sobre o universo humano brasileiro. Esse talvez seja o grande mérito do filme promover uma viagem, que muito nos assemelha a um pesadelo, curto mas denso, um poderoso soco poético no estômago. Um elemento importante nesse sentido é a incorporação de Nauro Machado no filme, tanto com a sua presença como ator, fazendo o papel do pai do protagonista, quanto na inclusão de suas poesias em algumas partes da narrativa fílmica. Frederico Machado utiliza a sua poesia para expor os pensamentos feridos e conflitados do protagonista e assim dar um maior corpo a crise existencial do personagem.  

Mas o que potencializa a síntese proposta em O Signo das Tetas é que ela está centrada e concentrada em um único personagem, sem nome. Trata-se de um anônimo, uma existência perdida como tantas que cruzamos pelas vielas da vida. Personagem brasileiro até o casco, mas também essencialmente ecumênico, pois é no viver de sua existência onde o caos se consubstancia. Salienta-se inclusive que nenhum personagem do filme possui um nome. Machado penetra nessas vidas inomináveis, surradas e desgastadas tais como os ambientes nos quais esses seres sobrevivem, com suas casas paupérrimas, os hotéis bagaceiros de beira de estrada e nas luzes atrativas, mas artificiais advindas dos populares inferninhos. Nada é mais caótico que uma vida na estrada, esse entrar e sair de cidades, locais e paisagens. Esse entrar sempre provisório nas vidas alheias, os rostos que vão se misturando em cada nova encruzilhada. São as várias histórias que como em um sonho vão se emaranhando , como um turbilhão de temporalidades em um devir interminável. Tudo isso junto faz acentuar o estado de desgarrado do personagem, sua condição de ser perdido. Tal como em um universo de David Lynch, tudo lembra devaneios, sonhos e alucinações alcoólicas, que logo se transformam em potentes pesadelos existenciais. O onírico se confunde com o existir caótico e a confusão do personagem se enlaça com a tentativa do espectador em desvendar o todo a partir da junção das sequências fragmentadas que lhe são apresentadas.          

O desenho sonoro de O Signo das Tetas colabora na composição da atmosfera onírica do filme. O uso de sons não-diegéticos misturados com os diegéticos acrescentam ao filme uma textura auditiva crua que salienta o incômodo de muito das cenas. As imagens também constroem uma tensão, com o contínuo desfocar dos planos, como se estivéssemos em pleno sonho, ou como se retivéssemos apenas confusos fragmentos em nossa memórias.        

Os fragmentos esses que podem ser restos de sonhos, de memórias ou pensamentos. Não os reconhecemos de pronto. Portanto para continuarmos ligados ao filme temos que aceitá-los assim e seguir seu caminho, sua viagem. O que nos é colocado é que tudo o que é pensado, sonhado, imaginado e falado diz respeito ao protagonista, um homem simples, solto no mundo, que como tantos outros saem de casa e ganham a estrada em busca de uma outra vida, uma fuga de uma estrutura familiar opressora e paternalista. Mas percebe-se que o mesmo guarda algum estranho sentimento em relação à mãe, um misto de carinho, desejo sexual, conforto e segurança, um elo primordial e salvador, a busca por uma sensação que parece nunca mais ser possível de ser vivenciada, no qual as tetas da mãe funcionam como uma expressão sintética desse prazer perdido.

Mas a vida é feita de enganos. A cada nova sequência, Machado vai agravando a crise existencial de seu personagem, a busca dele é a mesma de Charles Foster Kane, que Orson Welles tão bem nos narra em seu "Cidadão Kane", a pelo sentido da vida, de tudo que nos é retirado lá atrás, na nossa infância. Por isso a escolha em narrar a história em flashback. O Flashback nada mais é que o esforço em montar um quebra-cabeça, o desespero em dar sentido à fragmentada e caótica viagem humana na terra. O desespero e a angústia nos levam a devaneios, à ilusão. Com maestria, Machado relaciona a alma amargurada de seu personagem a uma necessidade lúdica de criar uma atmosfera irreal, uma realidade paralela, voltada para a sua sobrevivência existencial. O assassinato da prostituta então deve ser entendido como uma busca freudiana, frustrada pela impossibilidade que a relação comercial desse tipo impôs a um personagem profundamente fragilizado, em franca crise existencial. A morte da prostituta simboliza um ato de revolta e inconformismo, não é à toa que após o assassinato o nosso protagonista toma de uma só vez um copo de leite.

O Signo das Tetas nos chega em um momento crucial para o nosso cinema, onde os mercados de distribuição e exibição estão sendo amplamente questionados, em especial o monopólio gritante e aviltante de poucas mas grandes redes que detém o controle não só do comércio, mas também dos formatos narrativos e de conteúdo em geral.  É assustador e reconfortante saber que O Signo das Tetas foi realizado em um esquema de produção mínimo, quase familiar e financiado a duras penas, apenas na valentia, coragem e ousadia de seu autor. Vindo de um dos estados brasileiros mais pobres do país, o longa se passa inteiramente nessas locações, e mais ainda, traz uma reflexão comprometida e crítica desse universo. Esses elementos, externos ao filme, devem ser agregados potencialmente a ele e precisam ser refletidos seriamente e urgentemente. Seria mais um feito impressionante a ser incorporado a essa obra primorosa e seminal de nosso eterno novo cinema.

Marco Fialho - crítico de cinema

 

O SIGNO DAS TETAS: FASCINANTE E DESLUMBRANTE

On the road. O protagonista é um homem maduro que cai na estrada atormentado por uma lembrança, a dos seios da mãe, as tetas do título. Um homem na paisagem, que ele percorre de carro, bicicleta, moto, a pé. Num lugarejo, no bordel, encontra a mulher, uma prostituta, com quem faz sexo. Voltam os seios, e há uma sensação de violência. O fantasma de Sam Peckinpah, o de Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia e de outros filmes que se passam na fronteira mexicana, assola o bordel (e o protagonista) do filme de Machado. Uma cena pós-crédito não tem finalidade narrativa nenhuma. Mostra o (anti)herói adormecido. É nada, pode ser tudo, depende do olhar do espectador.

Mais do que características de produção e floreios narrativos, é o ponto de vista do espectador que talvez forneça a definição/localização de um cinema contemporâneo. O Signo das Tetas não se 'fecha'. Termina em aberto. Tudo o que se viu em 70 minutos, seu tempo de duração, só faz sentido se o público preencher os vazios do relato. É fascinante.

O Signo das Tetas trabalha muito os corpos dos atores, sobre os corpos, que não são necessariamente belos. O strip-tease da prostituta madura poderia ser grotesco, se a imersão do espectador não lhe conferisse uma dimensão mais intensa, visceral. O filme é deslumbrante.

Luiz Carlos Merten, crítico de cinema

 

 

O SIGNO DAS TETAS - UM DIRETOR INVULGAR DE CINEMA

A Lume é uma bela história. Quando começou, achei que terminaria como tantas outras: bons filmes e pouca venda. Mas, não: ela parou porque o Frederico Machado decidiu investir em sua carreira como diretor.

No que faz muito bem, porque é talentoso.

Embora, devo admitir, tenha me entendido melhor com seu primeiro filme. “O Signo das Tetas”, este seu novo trabalho, me pareceu excessivamente abstrato, meio fora do meio rural maranhense. Acho interessante esse olhar, que não reduz o personagem à sua mera existência física, dotando-o da devida existência psíquica. Desta vez me pareceu, no entanto, que o personagem é meio que extirpado do meio – o meio existe apenas como pano de fundo, o que limita também o olhar.

O filme confirma, no entanto, que estamos diante de um diretor de cinema invulgar.

Inácio Araújo - crítico de cinema

 

O SIGNO DAS TETAS - UMA VIAGEM CHEIA DE IMAGENS FORTES E SIMBOLOGIA

A busca interior de um homem é o que move O Signo das Tetas, novo filme de Frederico Machado. Em uma espécie de road movie maranhense, acompanhamos a jornada de um homem em busca de suas origens mais primordiais, à relação de afeto, dedicação e devoção materna.

Completamente diferente do título anterior do diretor, O Exercício do Caos, mais fechado e espacialmente restrito, O Signo das Tetas explora as estradas e recantos do estado do Maranhão, trazendo à tela o folclore local e muito da realidade regional.

Aberto, o longa-metragem entrega ao espectador as imagens e eventos deste percurso e deixa com que cada um construa o seu próprio filme. Essa liberdade que transparece na tela, também parece estar presente no set de filmagem. Quem escreve os textos do filme, declamados como poemas pelo protagonista, é o próprio ator principal, Lauande Aires, e muitos dos eventos explicitados estão cobertos de realidade.

Como uma história de autoconhecimento, de encontro da personalidade, o filme vai se construindo a medida em que se desenvolve. Obviamente, tudo é calculado para chegar onde o diretor deseja, com algumas cenas previamente decupadas e inserções estéticas precisas, mas o aleatório também é parte importante do filme, trazendo à tela uma realidade difícil de ser combatida.

No meio de toda a fúria e desespero daquele homem, a figura materna, ou a busca por ela, toma corpo e cria um vínculo com quem está assistindo ao filme. É uma relação que poucos passaram a vida sem desenvolver e que deixa um vazio e uma necessidade eterna de preenchimento. É como se a ausência fizesse com que a busca por essa figura acabasse sendo uma realidade constante na vida de cada um, mesmo nos momentos menos conscientes.

A composição de Frederico Machado é cheia de imagens fortes e simbologias. Há um cuidado muito grande com o desenvolvimento de sua história, seja em imagens cuidadosamente pensadas ou na trilha musical que as acompanha.

O mesmo cuidado pode ser percebido na atuação de Lauande Aires, que consegue conter a teatralidade de sua carreira nos palcos e interage bem com a câmera, criando uma figura de fácil associação. Sem falar na qualidade de seus textos.

Uma viagem que conquista aqueles que nela embarcam, contendo um grandioso momento: o último plano, após os créditos finais.

Cecília Barroso, crítica de cinema

Belo Horizonte, 2015

 

 

"O SIGNO DAS TETAS" E O IMPULSO ANCESTRAL

Há uma ancestralidade latente em “O Signo das Tetas”, de Frederico Machado. Algo que o cinema brasileiro contemporâneo se ressente. Como se a opção por uma autonomia artística (tanto formal, quanto temática) em relação à sua época, ao presente sobretudo,  fosse quase um tabu.

É sintomático que o filme de Frederico Machado seja uma produção radicalmente independente, realizada sem o apoio de editais públicos ou patrocínio de qualquer ordem, portanto fora do radar de influência dos modelos consagrados e condicionantes para a captação de recursos no setor audiovisual do País.  E não apenas quando se trata de viabilizar filmes, mas com repercussões na maioria dos festivais e projetos de difusão em curso no Brasil, que o diga o próprio Machado, organizador do Festival Lume em São Luís, outra iniciativa inteiramente à margem das benesses do mecenato oficial.

Neste contexto, a propalada diversidade da recente cinematografia nacional parece mais territorial do que criativa, um aspecto que “O Signo dos Tetas” também nos ajuda a evidenciar. É um filme desterritorializado por sua poética  transversal e arquetípica.  Ainda que seja possível reconhecer alguns índices do mundo rural brasileiro, o que prevalece é uma espécie de arcaísmo subjacente à paisagem, capaz de conferir à encenação esse caráter atemporal e magmático das coisas que duram, que resistem intactas à violência e degradação humanas.

Por isso, a chave psicanalítica e semiótica que o título sugere, é atravessada pelas evidências da natureza que dão sentido e entonação às imagens. Machado filma os corpos em toda a sua espessura e lubricidade.  À presença dos atores, substanciosa e tátil, contrapõe-se esse ambiente mineral, uterino que a obra poética de Nauro Machado (pai do realizador) referencia e amplifica desde o início.

"O Signo das Tetas" subverte a fatura naturalista que predomina na produção brasileira atual em favor de um gesto mais livre e visceral. Frederico Machado conjura forças do passado para fazer essa travessia por entre homens e mulheres, que existem para além dos personagens e das cartilhas da dramaturgia tradicional, nem que seja apenas,  como anuncia o título do belo documentário de Pierre Perrault, para o mundo prosseguir.

Adolfo Gomes - crítico de cinema

O SIGNO DAS TETAS - UM MOSAICO DO ABSURDO

Em O signo das tetas (2015), o cinema brasileiro vai ao encontro de um Maranhão com suas estradas e paisagens que reconstroem subjetivamente a infância traumática de um viajante anônimo. Enquanto gênero cinematográfico, oroad movie funciona de pano de fundo para uma busca interior solitária, metafórica e abstrata. O estilo autoral do realizador Frederico Machado adquire força ao dar primazia ao visual e à exploração de novos conceitos espaciais e temporais em um filme que forma um mosaico do absurdo.

O que, à primeira vista, seria uma jornada clássica esconde uma história estática, sem arco dramático. Apesar de ir atrás de um certo desejo, a condição de vida do protagonista no final do filme é virtualmente idêntica a do começo. Ele é apresentado subitamente em uma situação de crise e se vê impossibilitado de sair dela. Isso porque a estrutura narrativa tradicional dá lugar à lógica da memória, do sonho e do delírio. As ações não são motivadas por eventos que geram novos efeitos. Elas têm um fim em si mesmas, pois configuram-se como uma espécie de molduras para os simbolismos que atravessam a ficção. Através de relações baseadas na associação, a abreviação visual diz mais do que é mostrado ou dito explicitamente. O homem está claramente preso à fase oral e mantém a libido conectada à figura de sua mãe. Religião, sexo e culpa são temáticas recorrentes e decorrentes do jogo metonímico das imagens e dos sons. Com um desenho sonoro assíncrono e extradiegético repleto de goteiras e tambores, a atmosfera de perturbação mental é complementada.

A realidade inconstante, o tempo não linear e a substituição da causalidade pela coincidência são aspectos de uma antitrama comum em filmes como essa proposta. Ela é um potente recurso quando a narrativa não é o principal foco de atenção do diretor e, sim, a exploração de estados mentais, como se comprova nessa obra de Machado. E foi assim, com um esqueleto pré-definido e elenco escalado, que o realizador optou por dar forma às cenas na própria estrada durante a produção. É possível perceber nitidamente muita liberdade de olhar e improviso da câmera pela escolha de planos voyeuristas e ângulos incomuns. O ritmo sóbrio/desvairado vem de uma montagem determinada pelo tom emocional predominante nas sequências. A linguagem cinematográfica opaca assumida torna-se um desafio ao espectador acostumado com intrigas explícitas e finais redondíssimos.

“O signo das tetas” é o segundo filme da série “Trilogia Dantesca”, precedido pelo longa-metragem “O exercício do caos” (2012). A trilogia é inspirada na obra literária do poeta maranhense Mauro Machado, pai do cineasta. 

Nayla Avelar, 2015

 

 

O SIGNO DAS TETAS - DA ESTUPEFAÇÃO AO ÚTERO DO MUNDO

            '“Quem descobrir o verdadeiro                                                                

               significado destes ditos nunca morrerá:                                                                             

               Deixe que o buscador não pare sua                                                                                      

               busca até que ele encontre.

               E quando ele encontrar,

               estará em grande confusão.

               E depois de estar confuso,                                                                                                    

               Ele ficará maravilhado,

               E reinará sobre o Todo.”

               Evangelho de Tomé

                       

A filmografia de Frederico Machado tem se baseado na obra de Nauro Machado, seu pai, que recentemente nos deixou, a todos, orfãos de sua imensa poesia. Maranhense radical, Nauro viveu absolutamente afastado dos holofotes e imerso na arte da palavra. Sua obra alia rigor formal e mergulho profundo nas escarpas, vãos e abismos da existência. O Signo das Tetas é o segundo filme da trilogia dantesca, idealizada por Frederico, baseada em livros e poesias de Nauro Machado. O primeiro O Exercício do Caos e o terceiro, ainda por vir, As Órbitas da Água, completam o tríptico cinematográfico.

O Signo das Tetas é um filme radical. Um épico dividido em capítulos. Um homem, sem nome, estupefato e perplexo vaga em busca de algo. Esse homem se confunde com a paisagem, com as situações e com a natureza que o cerca. Não se distingue o que é homem do que é paisagem. É como se o inconsciente da personagem vomitasse o mundo, num sonho desperto. Atormentado pela lembrança dos seios da mãe, viaja sem rumo e se encontra exatamente onde o seu pé se fixa. Entre citações poéticas, a jornada se extende entre um prostíbulo, a casa da mãe e o mundo. O primeiro plano do filme já denota a crueza do que está por vir. Uma senhora (a mãe) se despe e toma banho de balde na penumbra da noite, enquanto seu filho (o homem) observa. O corpo envelhecido é mostrado sem subterfúgios, assim como todos os corpos que aparecem nus o são também.

Repleto de poesia, o cinema de Frederico Machado faz jus à obra do pai, que também atua no filme incorporando um misterioso personagem místico em aconselhamento poético e enigmático ao anti-herói atormentado. A excepcional montagem não-linear, cheia de falsas continuidades, e o desenho de som onírico, colaboram para criar uma atmosfera de realismo fantástico. Tudo isso permeado pela paisagem e personagens com a cara do Maranhão. Em uma das sequências, Frederico Machado “aproveita” uma festa do boi, típica da região, e “joga” o homem a dançar entre mascarados, que ganham então ares fantasmagóricos enquanto a câmera “bêbada” o acompanha, atitude que denota extrema habilidade do realizador em se valer da realidade para exprimir o que deseja. Portanto, cinema brasileiro até a última gota, desde o protagonista, às paisagens e ao menos visível figurante. Vale menção à atuação espetacular de Lauande Aires, que confere à personagem densidade corporal e facial necessária à tormenta que o acompanha.

O Signo das Tetas, apesar de extremamente brasileiro, especificamente maranhense, é cinema universal. Suas premissas perpassam estados nações e ufanismos baratos. É o ser humano e a existência que estão em jogo. Nossas idiossincrasias psicológicas entre sexualidade e religião, amor e mistério, crueza e lirismo. Somos nós que estamos na tela a buscar sentido, e perplexos após a jornada, podemos por fim, entrar no útero do mundo, beber o leite primordial e deitar na proa de um barco a remo, enquanto o sol penetra cada pedaço do corpo, maravilhado pela vida.

Ricardo Mansur - Rio de Janeiro - 2016

 

 

O Signo das Tetas é obra singular que desafia as sensibilidades.

Ely Azeredo

 

O SIGNO DAS TETAS - UM CINEMA DE TRANSPARÊNCIA E DE ESFINGE

 

Basta ver o finíssimo catálogo da distribuidora de DVDs Lume Filmes para avaliar o gosto do seu proprietário, Frederico Machado. A mesma preferência por filmes autorais, de enunciados sofisticados e às vezes difíceis, se reflete no cinema que ele faz, no peito e na raça, em seu casulo no Maranhão. "O Exercício do Caos", seu primeiro longa, revelou um diretor ousado e muito confiante no poder das imagens que constrói. O SIGNO DAS TETAS confirma esse perfil e o apego de Frederico ao tema dos subterrâneos familiares. Em lugar da história de sexo, morte e poder entre um pai, suas três filhas e um capataz, temos agora a peregrinação de um filho em busca de substitutos para os seios e o leite materno, lembrança que o move e obceca.

Mais uma vez Frederico se apoia numa atuação masculina forte – o ator e dramaturgo Lauande Aires, também autor dos poucos textos ditos no filme. Através de estradas, festas populares, boates interioranas, puteiros e igrejas, sempre carregando uma misteriosa pasta de couro, esse homem se deixa envolver pelos ambientes ao mesmo tempo em que prossegue em sua estranha busca. O poeta Nauro Machado, pai de Frederico e morto em novembro último, tem rápida aparição como o pai do viajante, enfatizando o subtexto bíblico que liga o percurso do filho ao episódio do Quo Vadis.

São muitas as referências presentes no filme, da religião à medicina, no rastro da obra poética de Nauro Machado, que inspira e dá título aos filmes do filho. Frederico cria cenas magnetizantes que nos convidam a penetrar em sua introspecção, embora nem sempre seja fácil. Como na obra de Carlos Reygadas ou Lisandro Alonso, aqui também os sentidos gostam de se esconder no silêncio e no enigma. O extremamente físico tangencia o psicanalítico e o espiritual. O cinema se oferece um tanto como transparência, um tanto como esfinge.

Carlos Alberto Mattos - crítico de cinema

 

 

O SIGNO DAS TETAS - PELA VASTIDÃO DO BRASIL, COM A CARA E A CORAGEM

Norteado pela primeira lembrança física da mãe (Maria Ethel), o protagonista (Lauande Aires) de “O signo das tetas” realiza percurso visceral em meio à vastidão do Brasil interiorano. Nessa segunda parte da trilogia iniciada com “O exercício do caos” (2013), o cineasta Frederico Machado destaca corpos naturais e envelhecidos, características que também marcam os espaços (a casa da mãe, o hotel, o bordel) por onde o personagem, em permanente estado febril, transita.
O melhor desse trabalho enxuto — pouco mais de uma hora de duração — reside no prólogo, no qual a mãe se despe e toma banho diante do filho (a água é elemento sublinhado ao longo da projeção). Em todo caso, a curiosidade se mantém até o final, cabendo elogiar a instigante partitura sonora que atravessa o filme.
Há pontos de contato com “O exercício do caos”, como a abordagem de turbulentos elos familiares e a proximidade da câmera em relação aos atores. Em “O signo das tetas”, o diretor acumula funções ao assinar o roteiro (com inclusão de textos de Aires) e a fotografia, realça a influência da obra de seu pai, o poeta Nauro Machado (autor do livro homônimo e presente como ator), e segue dando prova de coragem através da prática de um cinema arriscado que desafia o espectador. 

Daniel Schenk - crítico de cinema

O SIGNO DAS TETAS - BELO, MELANCÓLICO E ENIGMÁTICO

Este projeto não se desvenda facilmente ao público. Como em seu filme anterior, O Exercício do Caos, o diretor Frederico Machado aposta em construções fragmentadas, silenciosas, que desenham aos poucos uma narrativa. Enquanto o primeiro filme desta trilogia flertava com a alteridade através do terror, O Signo das Tetas busca a transcendência pelo processo ritualístico. De fato, os corpos passam por diversas provações. Um homem sem nome (Lauande Aires), atormentado pela figura da mãe idosa, vaga pelas cidades do interior do Maranhão. Ele experimenta vários tipos de catarse, como a arte (a dança, a poesia de Nauro Machado, a música da festa), o sexo com prostitutas, o contato com a natureza (as águas do rio, as frutas), a religião (uma Bíblia encontrada no quarto de hotel). Ele é atormentado pelos próprios desejos em decorrência de um Complexo de Édipo mal resolvido – o personagem não consegue esquecer os seios da própria mãe.

Frederico Machado cria imagens belíssimas, mas nada óbvias: ao invés de crucifixos, masturbação e outros ícones diretos do desejo sexual e da religião, ele prefere construções fantasmáticas, como as mulheres nuas no rio, a mãe idosa tomando banho, as máscaras da festa. A câmera foca em cada parte dos corpos, enquanto Lauande Aires demonstra feições pertinentemente vagas, tão etéreas quanto o próprio filme. Não existem certezas ou significados únicos nesta espécie de ode aos corpos em crise.

O Signo das Tetas demonstra certa melancolia ao olhar para o fracasso do macho e do adulto. Os corpos se tocam mas não se conectam, os olhares não se cruzam, as frases não encontram respostas. O protagonista vai do nada a lugar algum, move-se quase por inércia, buscando por algo que não sabe o que é. O filme reata com a noção de deambulação herdada do cinema marginal, mas com um mergulho nos aspectos psicológicos do personagem, ao invés de político-sociais como nas obras de Ozualdo Candeias, por exemplo.

Rumo ao final desta história curtíssima, pode-se ficar com a impressão de que nem todos os signos estão acessíveis, nem todos os significados se desvendam com facilidade. Do mesmo modo, a divisão em capítulos serve mais a resgatar uma aura erudita (da literatura, da estrutura teatral) do que alavancar a narrativa. Mas O Signo das Tetas se constrói no equilíbrio delicado de opostos: a música sertaneja popular contra a sonata para piano de Schubert, o realismo dos corpos comuns contra os cenários noturnos beirando o fantástico, a materialidade da natureza e a abstração dos desejos. O projeto, assim como o personagem, situa-se na fronteira entre extremos, demonstrando grande interesse pelas bordas, mas sem querer optar por apenas uma delas.

Por Bruno Carmelo - crítico de cinema

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